29 de março de 2010



Valsinha
(Vinicius de Morais e Chico Buarque)

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
E foram tantos beijos loucos
Tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz

"Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens."


(Fernando Pessoa, em "O Eu Profundo")

18 de março de 2010




Victor Hugo acaba de oferecer -me (também) resposta ao questionamento que fiz dias atrás:


(...) Morrer de amor é viver dele.

Para levar a infância a sério



As crianças não brincam de brincar. Brincam de verdade...

Triste de quem não conserva nenhum vestígio da infância...

Vocês já repararam no olhar de uma criança quando interroga? A vida, a irrequieta inteligência que ela tem? Pois bem, você lhe dá uma resposta instantânea, definitiva, única – e verá pelos olhos dela que baixou vários risquinhos na sua consideração.

A criança que brinca e o poeta que faz um poema – estão ambos na mesma idade mágica!

Ah, aquela confiança que tem uma criança rezando...Inocente confiança. Alegria. Quem é de nós que reza com alegria? Parece que só existe mesmo o Deus das crianças...Deus é impróprio para adultos.

Não são todos os que realizam os velhos sonhos da infância.

Nunca se deve tirar o brinquedo de uma criança, tenha ela oito ou oitenta anos.

Não importa o enredo das histórias: o que vale é o êxtase de quem as escuta. Por isso é que as crianças gostam mesmo de ouvir sempre as mesmas histórias, como se fosse da primeira vez.

Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde cada um estudasse com todo gosto e vontade o que traz na cabeça e não o que está escrito nos manuais.

Quando a gente era deste tamanhozinho, aí sim, Deus estava logo ali por detrás das estrelas, todas elas muito perto também. Depois nos aconteceu, com a sapiência adulta, essa infinita distância... Mas na verdade as crianças estavam mais a procura da verdade. Pois Deus não será a procura de Deus?

Oh! Aquele meninozinho que dizia/ “Fessora, eu posso ir lá fora?”/ mas apenas ficava um momento / bebendo o vento azul.../ Agora não preciso pedir licença a ninguém.../ mesmo porque não existe paisagem lá fora:/ somente o cimento./ O vento não mais me fareja a face como um cão amigo.../ Mas o azul irreversível persiste em meus olhos.

Que importa o asfalto, o cimento, isso tudo? As meninazinhas sempre saem da escola correndo descalças sobre a relva.

Nesses desenhos de crianças – vocês também repararam? - Há alguns em que não aparece aquela costumeira estradinha que leva à porta de suas casas...

Benditos, mil vezes benditos aqueles carrosséis que ensinaram aos meninos de meus tempos a pura alegria de viajar

Do livro "Para viver com poesia" - Mário Quintana

15 de março de 2010

O AMOR SOB LENTES


Helmut Newton, Affair, Paris 1976


Cartier Bresson


Yale Joel, 1948


Hans Mauli


Frank Horvat, Paris Couple (Quai Du Louvre) - 1955


Clipe legal

3 de março de 2010

Cuide de você...




Estive no MAM durante a exposição CUIDE DE VOCÊ da Sophie Calle.
Enquanto lia o e-mail de X para Sophie Calle, uma tristeza profunda tomou conta de mim. Mesmo que a dor tenha uma importância subjetiva, compartilhei dessa dor.
De certa forma, visitar a exposição é se colocar no plano do deleite, da re-significação. Vivencia-se ali uma experiência de ruptura, de frustração, transformada em percurso através da arte. A arte como manifestação do humano é verdadeiramente sublime, indescritível, intangível, arrebatadora.


"Recebi uma carta de rompimento.
E não soube respondê-la.
Era como se ela não me fosse destinada.
Ela terminava com as seguintes palavras: “Cuide de você”.
Levei essa recomendação ao pé da letra.
Convidei 107 mulheres, escolhidas de acordo com a profissão,
para interpretar a carta do ponto de vista profissional.
Analisá-la, comentá-la, dançá-la, cantá-la. Esgotá-la.
Entendê-la em meu lugar. Responder por mim.
Era uma maneira de ganhar tempo antes de romper.
Uma maneira de cuidar de mim."
Sophie Calle

A melhor resposta pra mim foi a da adolescente: “Ele se acha”

A Carta de Amor




A carta de amor
Sobre a mesa, está jogada displicentemente, há anos, uma carta de amor. Eu nunca havia recebido uma carta de amor. Encomendei uma a um escritor público. Oito dias depois, recebi uma linda carta de sete páginas, escrita à mão, em versos. Havia custado cem francos, e o homem dizia: "... sem fazer um só gesto, segui você por toda parte...".

by Sophie Calle, Histórias Reais

1 de março de 2010

Into the wild

[Into the Wild, de Sean Penn]



1. A felicidade só é real quando é partilhada

2. Se deixarmos a vida ser guiada pela razão, a sua plenitude é destruída







Assim
como dois corpos vestidos
num estendal

e à volta o mundo
a cidade
as janelas entreabertas
o inclinado dos telhados

e um jogo simples de azulejos
onde escrevemos cartas
no lento verso do vento


ora nos aproxima


ora nos afasta


ana c.